Belém acelera para a COP30, impulsionando obras cruciais, mas a urgência levanta questionamentos sobre transparência, sustentabilidade e a voz da comunidade local.
A capital paraense, Belém, mergulha em um turbilhão de obras e transformações para sediar a COP30 em novembro, um evento de escala global focado na emergência climática. A expectativa de uma conferência “diferente e inovadora” na Amazônia, livre de interesses comerciais, contrasta com a realidade dos preparativos, que, segundo especialistas, replicam falhas do passado. A cidade, carente de infraestrutura histórica, especialmente saneamento, vê na COP uma alavanca para investimentos há muito aguardados, mas a urgência em cumprir prazos tem atropelado princípios essenciais como a transparência e o controle social.
Os recursos viabilizados, principalmente pelo BNDES e Itaipu Binacional, impulsionaram a concretização de projetos essenciais, como obras de macrodrenagem e a restauração de pontos turísticos icônicos como o Mercado Ver-o-Peso. Esses avanços são inegavelmente positivos para Belém, que por anos viu projetos necessários guardados em gavetas. No entanto, a professora Olga Lucia Castreghini de Freitas, coordenadora da pesquisa “COP 30 das oportunidades de transformações urbanas aos desafios para a participação e o controle social” da UFPA, alerta para o lado sombrio desse processo acelerado.
A geógrafa critica a ausência de mecanismos de controle social e participação popular, citando a problemática remoção de moradores para a execução das obras. Além disso, a informalidade da economia local faz com que muitos vejam a COP30 como uma chance de mudança financeira, gerando uma disparidade entre o propósito do evento e a percepção da população. Jonathan Nunes, estudante de pós-graduação em Geoturismo da UFPA, observa que muitos nem compreendem o real significado da COP, enxergando-a como uma “festa” de oportunidades, exemplificado pelos preços exorbitantes de hospedagem.
Ainda mais preocupante é a execução de obras que contrariam os princípios da sustentabilidade que a COP30 se propõe a defender. A construção ou ampliação de vias como a Avenida Liberdade e a Rua da Marinha, embora visem solucionar problemas crônicos de mobilidade, avançam sobre áreas verdes protegidas. Essa abordagem “rodoviarista” e a polêmica das “eco árvores” – estruturas artificiais para fazer sombra – exemplificam, para a professora Olga, um conflito direto com a própria noção de sustentabilidade.
Para debater essas questões cruciais, o grupo de pesquisa da UFPA organizou o seminário “Tinha uma COP no meio do caminho; nunca esqueceremos desse momento”. A analogia com o poema de Carlos Drummond de Andrade, “No Meio do Caminho”, reflete a ideia do “legado” que os megaeventos prometem. Contudo, Olga Castreghini enfatiza que o legado não é predefinido e só poderá ser avaliado em alguns anos, ponderando que a COP foi colocada no meio do caminho de Belém, com suas oportunidades e desafios intrínsecos, para o bem e para o mal.
Apesar das críticas e dos desafios, a professora Olga Lucia Castreghini de Freitas é favorável à realização da COP30 em Belém. Ela acredita que a presença dos participantes na Amazônia será uma oportunidade única para que muitos compreendam o modo de vida local e tenham um “choque de realidade” sobre a Amazônia brasileira. Essa imersão, longe de uma visão externa e desapegada, pode ser crucial para um envolvimento mais profundo e significativo com um bioma tão vital para o planeta.
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