Organização criminosa carioca assume protagonismo em tráfico, mineração ilegal e alianças com grupos armados da Colômbia e Peru.
Na região mais esquecida da Amazônia, o Comando Vermelho consolidou um império silencioso. Após derrotar rivais como o PCC, a Família do Norte e Os Crías em 2023, a facção carioca firmou domínio absoluto sobre o tráfico em Letícia (Colômbia), Tabatinga (Brasil) e arredores — o coração da tríplice fronteira. Seu poder é tão presente que até crianças, em tom de brincadeira, já mencionam os “decretos”: ameaças públicas nas redes sociais que indicam quem deve ser eliminado. Em Letícia, o medo é regra, e as autoridades locais admitem que sequer conseguem alcançar os territórios mais isolados.
Enquanto os olhos do Estado se fecham, o Comando Vermelho expande suas raízes. Com o controle do microtráfico em cidades como Benjamin Constant, onde há poucos policiais militares para 42 mil habitantes, a facção se aproveita do abandono social para recrutar jovens — muitos ainda adolescentes — em troca de uma promessa de renda e pertencimento. Os bairros controlados estampam pichações de grupos criminosos lado a lado com templos evangélicos, que têm se tornado a improvável rota de fuga de quem deseja deixar o crime sem ser morto.
Sim, o crime permite sair — mas só se for em nome de Deus. Pastores locais relatam que líderes da facção aceitam a saída de membros apenas se ela for “guiada por fé verdadeira”. Jovens que ingressaram no tráfico aos 14 ou 15 anos, hoje se refugiam em igrejas improvisadas, onde cultos e louvores são vistos como uma forma de redenção. “A igreja é a única saída viva”, diz um ex-integrante convertido, agora pastor. A cena evangélica virou um santuário de sobrevivência no meio do caos.
Mas a atuação da facção vai muito além do tráfico. Com os lucros bilionários do narcotráfico, o Comando Vermelho diversifica seus negócios: pesca ilegal, extração de madeira e garimpo de ouro se tornaram frentes de lavagem de dinheiro e rotas ocultas de transporte de drogas. O controle sobre essas cadeias ilegais transforma a floresta em território de ninguém — ou pior, de alguém muito bem armado e organizado.
Na ausência do Estado, quem reina é o crime — e quem negocia a paz é a fé. A fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru se tornou laboratório de uma nova forma de criminalidade transnacional, onde alianças com dissidentes armados e traficantes internacionais colocam a Amazônia sob o domínio silencioso de uma economia paralela. Uma selva onde a lei não chega, mas o Comando Vermelho, sim.
Noticiaamazonica/BBC